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Perigo sob rodas: a precariedade das RS 473 e RS 602


Um trajeto de paisagens encantadoras, mas também de muitos problemas. Os quarenta e oito quilômetros que ligam as cidades de Herval e Arroio Grande, na região sul do Rio Grande Sul, simbolizam as típicas estradas de interior de estado. As fazendas, sítios e chácaras fazem parte do horizonte que encanta, com casas bem arquitetadas e plantações de soja, arroz e outros derivados na agricultura compondo um belo retrato na paisagem, mas também apresenta graves inconvenientes para os motoristas que trafegam na via.

Foto: Karoline Peter

Carro trafega em pista com curvas e sem sinalização

A RS 473 é a principal ligação de Herval a outros municípios da região. O trecho de vinte e três quilômetros e trezentos metros encontra-se com a RS 602 na divisa entre a cidade e Arroio Grande, município mais próximo. As duas rodovias são cheia de curvas, sem acostamento, com grande indício de os motoristas encontrarem animais na pista, buracos no meio da pista e sem iluminação, a rodovia deve ser percorrida com bastante cuidado para se evitar acidentes.

De acordo com o Comando da Polícia Rodoviária Estadual, essa área não apresenta índice de acidentes, pois o comando não conta com efetivo suficiente para o serviço e, nesses casos, a responsabilidade seria da Brigada Militar. A reportagem entrou em contato com a Brigada Militar de Arroio Grande e, segundo o Sargento Lima, é impossível descrever a média de acidentes nesse trecho.

Mas o fotógrafo Gilson Peter, 43, é uma das vítimas das ERS e, segundo ele, prestou queixa dos acidentes na Brigada Militar de Arroio Grande. Desde que mudou de Arroio Grande para Herval, em 1996, ele já sofreu dois acidentes no trajeto e sofre muito com os transtornos que o trecho apresenta.

Animais na estrada

O primeiro acidente de Gilson ocorreu em 1997, quando uma vaca atravessou a pista. “Eu estava com a minha primeira filha de apenas quatro dias no banco de trás e passei por um tropeiro que conduzia a tropa de vacas para outro campo”, conta. Segundo Gilson, um animal ficou disperso e, assustado, subiu na pista. O condutor ainda tentou parar o veículo, mas o animal subiu no capô do carro. Todos os ocupantes estavam com cinto de segurança e sofreram lesões leves, mas os danos materiais foram grandes: para-brisa, espelho, capô, faróis e mão de obra. Um custo de R$ 3.000,00, na época.

O segundo acidente foi em 2008 e Gilson ainda lembra-se dos detalhes:

- Estava retornando de Arroio Grande com o meu sogro, minha esposa e minhas duas filhas e mais uma vez animais surgiram na estrada me ocasionando outro acidente. – contou Gilson.

Gilson conta que três cavalos atravessaram a pista e conseguiu defender apenas dois, o outro acabou ocasionando o acidente. Ao mostrar a marca do acidente com um corte no queixo, ele relembra a noite do acontecido. “Desviei dos dois cavalos maiores, mas outro carro vinha na pista contrária com a luz alta me deixando com pouca visibilidade. O cavalo menor vinha atrás dos outros cavalos e eu não consegui desviar, pois iria bater no carro, causando talvez um acidente maior”, lembra. O animal colidiu com o carro e, após bater no para-brisa do veículo, desviou na coluna lateral do carro. “Foi sorte”, diz. Apenas o motorista teve escoriações no rosto e braço e os demais ocupantes do veículo não apresentaram ferimentos.

Os animais na estrada são um transtorno recorrente no percurso de quarenta e oito quilômetros. Com muitas fazendas, sítios e chácaras no entorno da estrada, o número de vacas e cavalos que saem para as pistas é alto. “Sei de muitos amigos que também encontraram animais”, diz Gilson. Com a grande vegetação encontrada na paisagem do trajeto, também é comum encontrar animais silvestres como javali, capincho, sorro, tamanduá e veado. Gilson conta que já se deparou com diversos animais silvestres no trecho, mas esses nunca lhe causaram acidentes.

- O grande problema é o descuido dos proprietários que deixam arames arrebentados e porteiras abertas, permitindo que os animais saiam para a estrada, ocasionando acidentes – acredita.

Falta de manutenção na via

Outro transtorno que os motoristas enfrentam é a grande quantidade de buracos na pista. Entre os meses de março e maio os obstáculos crescem em função do grande fluxo de caminhões, responsáveis pelo escoamento da soja e milho, muito presente na agricultura da cidade. Herval é um grande produtor de soja na região sul, uma média de 60 toneladas por hectares estão previstas para serem colhidas neste ano. Já a produção de milho, pode chegar a uma média de 80 toneladas por hectares.

Os caminhões também realizam o escoamento de eucalipto. As empresas de celulose cresceram nos últimos anos no Herval e as toras que são carregadas nos caminhões acabam caindo e podem colidir com os veículos ou abrir pequenos buracos no asfalto. Nesse ano, cerca de 40 metros³ por hectares estão previstas para serem escoadas. O balanço das cargas é feito pelo secretário de Agropecuária e Desenvolvimento de Herval, Valmir Miliorança. Os caminhões percorrem o trajeto para escoar os produtos até o porto de Rio Grande. Os 204 km que levam à Rio Grande pela RS 473 e RS e, depois pela BR 116 e BR 471.

Com o peso dos caminhões, malha rodoviária fina, o asfalto se rompe e os problemas aparecem. Em janeiro de 2014, um grande buraco se formou no asfalto. Os motoristas tiveram que conviver durante nove meses com ele. Durante o período, os condutores precisaram desviar do buraco pela contra mão, ou seja, na outra pista e podendo ocasionar a colisão com outro veículo, para não danificar o carro ao passar no buraco fundo. Trafegar pela pista contrária é proibido pela Lei 9503/97, art 186, mas os motoristas contam que não havia outra possibilidade.

Preocupados com a situação, na época os moradores de Herval manifestaram contra o descaso do Departamento e colocaram um boneco, sentado em uma cadeira como se pescasse no buraco. O protesto levou a Operação Tapa-Buraco do Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER), responsável pelo trecho, em junho.

Com muitos buracos, como o do boneco pescador, ao longo da rodovia e sendo alvo de muitas criticas, o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem recapeou o asfalto, tapando os buracos menores apenas com asfalto e fortalecendo a manta asfáltica com mais camadas nas partes mais criticas da rodovia em setembro de 2014.

“É assustador quando a noite está escura e precisamos passar por esses trechos” – Márcio Caldas

Outro transtorno surgiu, após os buracos terem sido tapados. Para facilitar a obra, as tachas e os tachões de sinalização foram retirados e, com a finalização do trabalho, não foram recolados. Conhecidos como “olhos de gato”, o material auxilia os motoristas ao indicar o limite das pistas durante as viagens noturnas, pois são capazes de refletir a luz dos faróis dos automóveis na pista e demarcar o limite do acostamento e a pista onde os motoristas podem trafegar.

Com a nova camada de asfalto colocada sobre a já existente, a pintura de demarcação das pistas e acostamento foi tapada junto e não foram repintadas. Nesses trechos não pintados, os motoristas consideram que é difícil trafegar com tranquilidade e segurança. O transtorno já completa dois anos e sete meses sem reparo ou concerto qualquer.

O caminhoneiro Márcio Caldas, 40, transita pelo menos duas vezes por semana na rodovia. Começou a carreira de motorista na Prefeitura de Herval na Secretaria de Saúde há quinze anos, quando trabalhava diariamente com ambulância e vans para Pelotas e necessitava trafegar na rota. Márcio conta que o trajeto mudou muito nesse período, nos primeiros anos a estrada ainda era de terra. Atualmente, Márcio trabalha com caminhão e considera que os principais problemas são a falta de iluminação e de pintura na pista e a ausência de acostamento para veículos e, principalmente, para caminhões por serem veículos grandes.

A época de chuva e frio é intensa em Herval. No período mais crítico, o termômetro pode marcar 0°C e a geada e a neblina é constante. Com isso, diminui consideravelmente a visibilidade dos motoristas na pista, o que é agravado com a falta de sinalização. “É assustador quando a noite está escura e precisamos passar por esses trechos”, comenta.

O motorista de ônibus Alcir Nunes, 35, diariamente para Pelotas. Ele transporta estudantes de Herval para a cidade universitária todos os dias da semana. De acordo com Alcir, o retorno dos estudantes é feito durante a madrugada. Em dias comuns eles costumam chegar em torno de uma hora manhã, mas quando o tempo apresenta neblinas ou o Céu está escuro, os estudantes podem chegar até 1h20. A falta de sinalização é o que mais preocupa o motorista, seguido dos animais na pista.

- A escuridão da noite me preocupa muito, pois tem trechos que não tem como saber se estou na pista correta ou quase perto do acostamento., falou ele, que, quando nesses casos, chega a trafegar muito devagar.

“A preocupação é enorme” – Diretora da Escola Silvina Gonçalves, Karla Dufau.

A diretora de Escola Municipal de Ensino Fundamental Silvina Gonçalves, Karla Dufau, também reclama da falta de sinalização. A Escola está localizada no entorno de Arroio Grande, nos primeiros quilômetros da RS 602, no outro lado da rodovia e, as crianças, moradoras do bairro Silvina, precisam atravessar a via para chegar até a escola. No trecho, em ambas as pistas, apenas placas indicando que na área existem redutores de velocidades para os motoristas, mas com o recapeamento asfáltico em setembro de 2014, os redutores também foram retirados. A Prefeitura de Arroio Grande, preocupada com a situação dos alunos, solicitou em maio de 2015 ao Departamento a colocação de uma faixa de pedestres em frente à escola para zelar com a integridade dos alunos, principalmente nos horários de chegada e saída de aulas já que o fluxo de veículos é bastante acentuado pela RS 602.

Foto: Karoline Peter

Trecho em frente à escola não apresenta sinalização


Mas ainda assim a diretora se preocupa com a segurança dos funcionários, professores e alunos. “A gente colocou uma tela na volta da escola, para ficar mais seguro e os carros não baterem. Mas a preocupação é enorme”, contou ela. De acordo com Karla, a escola está programando fazer uma campanha de manifestação contra e conscientização dos problemas que a estrada causa e ainda pode aumentar,

Segundo ela, é possível perceber que os motoristas que trafegam de Herval, em direção a Arroio Grande, transitam em alta velocidade. Já os que trafegam ao contrário, fazem a curva com descuido e, se fosse no horário de entrada e saída dos alunos, poderia ocasionar um grave acidente, mas segundo ela isso nunca ocorreu. Ela pede que as autoridades competentes agilizem o processo. “Pelo menos que coloquem os redutores de velocidade, pois assim os motoristas têm mais cuidado, já que as placas existem”, pediu a Diretora.

A reportagem refez o trajeto da rodovia para calcular quantos quilômetros do percurso estão sem sinalização impedindo que os motoristas trafeguem com segurança e tranquilidade. O trecho de Herval, na RS 473, é o que mais apresenta problemas e chega a ter mais de dois kms totalmente sem tachões, tachas ou pintura de demarcação.

De Arroio Grande a Herval, os motoristas precisam enfrentar catorze quilômetros e novecentos metros com o asfalto em ótimo estado, mas quando anoitece os condutores dos veículos encontram uma rodovia sem sinalização por todo esse trajeto. A RS 473, até a Airosa Galvão, divisa de Herval e Arroio Grande, tem vinte e três quilômetros e trezentos metros, dessa extensão aproximadamente 50% está totalmente sem sinalização e pintura, ou seja, onze quilômetros e setecentos metros. Na RS 602 as condições da rodovia são melhores, apresenta apenas três quilômetros e duzentos metros estão sem os tachões e tachas.

Segundo o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER), já existe uma deliberação com o pedido de concerto na estrada. O engenheiro Jorge Antônio de Oliveira, responsável pelo trecho, conta que a solicitação para a recolocada dos tachões e tachas e também da pintura asfáltica já está no sistema do DAER, porém as empresas que fazem o trabalho são terceirizadas. “O Estado enfrenta graves problemas de falta de recursos e por isso a recolocação da sinalização e a pintura não foi liberada ainda”, contou Jorge que preferiu não apresentar prazos para que a ausência de verbas para a finalização do reparo seja resolvida.